Câmara de Ecos
Comunicar com rigor um projecto de investigação através de uma exposição sem o espartilho académico não é simples. Complica-se, ainda, quando o estudo incide sobre a obra de um autor (arquitecto) contemporâneo, inusitadamente observada a partir de uma lente barroca que não se esgota no seu lugar-comum, paradoxal, de excentricidade inesperada.
Tínhamos consciência da dificuldade de dar a ver a nossa perspectiva sem antes clarificarmos o significado do termo ‘Barroco’, na arte e na arquitectura, e esclarecermos alguns mal-entendidos que lhe estão associados.
A decisão de levar a arquitectura de Siza para o Museu (numa alusão ao ensaio Arquitectura para os Museus, de Aldo Rossi), nomeadamente para o Museu Nacional Soares dos Reis, colocando-a em relação com as suas colecções, talvez possa ser entendida como a pedra de toque de um projecto curatorial que propõe a reconstrução crítica da obra do autor a partir do barroco enquanto ideia sem tempo.
É assim que D. João IV na procissão do Corpus Christi (óleo sobre tela), nos transporta para um dia festivo, com a cidade barroca em pano de fundo, onde sobressai um dossel que, por sua vez, evoca a forma natural da ‘pala de Siza’, entretanto petrificada pelos dois séculos que a separam da pintura de Cunha Taborda.
Também a fotografia de um jovem Siza, sentado no estirador do seu primeiro atelier, “Esperando o sucesso”, evoca a pintura-prima de Henrique Pousão (em exposição permanente no Museu). Distantes no tempo, aproxima-as a esperança que partilham de um reconhecimento colectivo.
Siza, Câmara Barroca é, entre as demais perspectivas, uma câmara de ecos, próximos ou longínquos, como o fragmento de capitel em ‘granito doirado’ com uma inscrição do período romano que dedicamos a Siza: “Génio”, desde o séc. II (como esta ara votiva achada em Dume).
A peça, da colecção de lapidária do Museu, e deslocada para integrar a exposição, revela a sua actualidade ao atravessar a História para celebrar a “profissão poética” de Siza, ou seja, a sua arquitectura que é, acima de tudo, como revela a nossa investigação, o resultado de uma construção colectiva e retroactiva à imagem do projecto barroco para a disciplina.
Joana Couceiro e José Miguel Rodrigues
Investigadores Responsáveis do Projecto de Investigação Siza Barroco
SIZA/CPT/0021/2019
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