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Rita Marques, Fundação Livraria Lello

Descida em nós

 

Vivemos momentos de espanto no Mosteiro de Leça do Balio no passado dia 18 de maio, dia durante o qual o “Descimento da Cruz”, de Domingos Sequeira, esteve por breves horas no Mosteiro antes de seguir viagem para o Museu Nacional Soares dos Reis. Os momentos de espanto escorreram, sobretudo, da luz. A luz improvável que emana do traço do Arquiteto Siza Vieira, responsável pela reabilitação do Mosteiro, monumento nacional desde 1910. E a luz inefável que se difunde no “Descimento da Cruz”. Os dois mestres ensinam-nos a colher da luz uma lição do espanto, como se fosse a primeira vez que estivéssemos perante o sublime da luzência.

 

O Mosteiro de Leça do Balio, sede da Fundação Livraria Lello, fará seguramente o seu caminho. Serão muitos aqueles que acolherá no seu lava-pés, espaço que nos remete para a simbologia do Caminho de Santiago, representando a purificação e a renovação dos peregrinos antes de continuar a sua jornada. Serão muitos aqueles que descobrirão a escultura aberta de Siza Vieira, que entrelaça a arte do arquiteto com a espiritualidade do lugar. Serão também muitos os passos e os segredos que se continuarão a guardar na Sala do Capítulo do Mosteiro. Como um novelo, um imenso rodopio de ventos e de vontades.

 

Também o “Descimento da Cruz” parece sussurrar-nos segredos antigos. As pinceladas de Domingos Sequeira, vivas e pulsantes, trazem à vida uma cena dolorosa, mas, ao mesmo tempo, sublime. As sombras e luzes dançam, desenhando um espetáculo de devoção e sacrifício. Como se as figuras descessem da tela, caminhando entre nós, partilhando a sua dor e redenção. Depois de apreciar esta obra, passamos a carregar em nós um pedaço daquela luz, um fragmento do espanto que nos foi dado.

 

Sob a luz de Siza Vieira e de Domingos Sequeira, o “Descimento da Cruz” tornou-se, a partir de agora, uma descida em todos nós, mostrando-nos que podemos ver o mundo com novos olhos, encontrar a beleza na simplicidade e o extraordinário no improvável. Continuaremos esta descida em nós no Museu Nacional Soares Reis, que acolherá a obra do Domingos Sequeira a partir de 1 de junho. E continuaremos esta descida em nós também no Mosteiro de Leça do Balio, que abrirá novamente portas a 22 de junho. Dois pontos de paragem obrigatórios a Norte, nesta viagem ao sublime.

 

 

Rita Marques

Presidente da Fundação Livraria Lello