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Categoria de Coleção: Pintura

A origem da coleção de pintura do Museu Nacional Soares dos Reis remonta a 1833, com a criação do primeiro museu público de arte estabelecido em Portugal, o Museu Portuense. Hoje, a coleção conta com cerca de 2500 objetos e abrange um arco temporal delimitado pelos séculos XVI e XX. O conjunto mais emblemático da coleção é dedicado aos pintores românticos, naturalistas e realistas (séculos XIX e XX) e inclui nomes como Silva Porto, Marques de Oliveira, Artur Loureiro, Sousa Pinto, Henrique Pousão, Aurélia de Souza e António Carneiro.

Uma das razões que assistiu à criação do Museu Portuense foi a necessidade de recolher obras provenientes de conventos e igrejas abandonados. Em 1836, com a criação das Academias de Belas Artes de Lisboa e do Porto, a Academia Portuense foi instalada no edifício onde se encontrava o espólio do Museu: o Convento de Santo António da Cidade (a atual Biblioteca Pública Municipal do Porto). Esta situação manteve-se durante quase um século, tempo ao longo do qual o museu serviu a Academia e nele foram sendo integradas algumas obras de professores e alunos, conforme o que estava estabelecido nos respetivos estatutos: as provas de concursos académicos, as remessas de pensionistas e ainda as ofertas de variada proveniência. Esta contingência histórica conferiu à coleção uma marca distintiva: a predominância da produção dos artistas portugueses, principalmente portuenses, dos séculos XIX e XX. As doações e legados ao Museu e as políticas de aquisições definidas desde então concorreram para o alargamento da coleção nesse mesmo sentido. Entre 1932 e 1950, sob a direção de Vasco Valente, a coleção inicia uma nova fase marcada pela partilha de espólios com a Escola de Belas Artes do Porto e pela integração das coleções do Museu Municipal do Porto em regime de depósito, em 1937. A junção dos espólios conferiu maior diversidade e qualidade à coleção, alargando o âmbito geográfico e cronológico de representação. O núcleo principal da coleção de pintura do Museu Municipal do Porto fora formado com a aquisição, em 1850, pela Câmara Municipal do Porto, da coleção de João Allen (1781-1848) constituída por 599 pinturas de artistas nacionais e estrangeiros, do século XVI aos primeiros anos do século XIX. Na coleção municipal destaca-se ainda o conjunto de 113 obras legadas por Júlio Osório, em 1911 e 21 obras da autoria de Silva Porto doadas por Honório de Lima, em 1941. Entre 1950 e 1960, sob a direção do escultor e professor Salvador Barata Feyo, o MNSR iniciou um processo de atualização da coleção, alterando o paradigma da política de aquisições da instituição ao investir na aquisição de obras de artistas contemporâneos. Este impulso foi retomado em 1975 com a instalação no MNSR do Centro de Arte Contemporânea — a semente do que viria a ser o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Durante os seis anos em que a pioneira atividade do Centro se desenvolve, entraram no acervo do Museu perto de uma centena de obras representativas das múltiplas experiências artísticas então a acontecer como a neo-figuração, o neo-abstracionismo ou a arte pop. Nas duas últimas décadas, o Museu tem continuado a adquirir pontualmente obras com o propósito de reforçar o discurso da sua exposição permanente e também a absorver um grande número de doações. São estes últimos impulsos que enriqueceram a coleção com uma representação notável de pintura do século XX em que se cruzam as produções finais dos movimentos do século anterior e as obras de vanguarda do Modernismo português, mas também as múltiplas experiências artísticas dos anos 60 a 80. Aí se distinguem autores como Eduardo Viana, Amadeo de Souza-Cardoso, Armando de Basto, Dordio Gomes, José Tagarro, Diogo de Macedo, Júlio Resende, Ângelo de Sousa e Álvaro Lapa entre muitos outros.

Autorretrato de José Tagarro

Autorretrato de José Tagarro

José Tagarro (1902-1931)

1929

Óleo sobre cartão prensado

Ficha de inventário

Neste duplo autorretrato, o artista pinta-se no próprio ato da representação. Jogo de tempos contrários premeditadamente concretizado entre os dois universos em que se moveu o artista — o do desenho e o da pintura — com reforço evidente do primeiro, uma vez que o retrato pintado é aqui o momento de passagem e o desenho, apurado no rigor e na síntese, a obra final.

Esta é uma obra singular que José Tagarro realizou no final da vida e foi, aliás, prematuramente interrompida. É considerada das mais reveladoras do entendimento que o artista teve da sua própria produção e percurso e um dos mais marcantes autorretratos da arte portuguesa.

Casas de Malakoff

Casas de Malakoff

Dordio Gomes (1890-1976)

1923

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

Obra fulcral da arte portuguesa da primeira metade do século XX, este trecho de casario dos subúrbios de Paris seria também explorado por Dordio Gomes em gravura e no Autorretrato da Natureza Morta realizado um ano depois. Malakoff é uma localidade nos arredores de Paris, chamada assim em homenagem à vitória dos franceses numa das batalhas da Guerra da Crimeia. O local atraiu inúmeros artistas, como local de residência e como tema.

Nesta pintura, a tensão gerada pela distorção dos volumes e do espaço, como que vistos através de uma lente, provocam a sensação de vertigem e criam uma ambiência inquietante e desoladora. A simplificação das formas, o recurso plástico de colocação estratégica das linhas negras ou o acentuar das arestas revelam a interpretação do artista de uma síntese de influências marcantes da arte europeia deste período, em que predominam Cézanne e o expressionismo alemão.

Louças de Barcelos

Louças de Barcelos

Eduardo Viana (1881-1987)

1915

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

Testemunho do vanguardismo da produção de Eduardo Viana neste período, o tema desta pintura — um conjunto de pequenas figuras de barro (ocarinas) características de Barcelos e uma boneca de trapos — está completamente a par com o interesse que surgia na primeira metade do século XX pela Europa pelos jogos e elementos de síntese das tradições populares.
Eduardo Viana adquiria habitualmente figurado de barro nos mercados em Barcelos e terá introduzido o tema junto do círculo de artistas que então se constituía em torno dos Delaunay, chegados a Portugal precisamente no Verão de 1915. Veja-se a título de exemplo os inúmeros jouets portugais realizados, desde então, por Sonia Delaunay ou A Russa e o Fígaro de Amadeo de Souza Cardoso.

Macieira partida

Macieira partida

José Júlio de Sousa Pinto (1856-1939)

Brolles, 1883

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

Esta obra, cujo título original foi Après l’orage, confronta-nos com a desolação de uma mulher velha e pobre, ao encontrar a sua macieira partida pela tempestade. Eminentemente narrativa, a obra integra-nos na cena e envolve-nos no drama pessoal da personagem, suscitando de imediato a nossa empatia.
Talvez um dos raros momentos em que a pintura portuguesa deste período tocou verdadeiramente o registo realista, esta pintura não deixa de evidenciar a extraordinária competência técnica do artista e de nos propor uma estrutura de composição invulgar, em que a figura e a árvore inscrevem-se num imenso primeiro plano, coroado pela faixa estreita do casario distante e pelo céu, ensombrado ainda pelo temporal.

Esperando o Sucesso

Esperando o Sucesso

Henrique César de Araújo Pousão (1859-1884)

Roma, 1882

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

Nesta obra, Henrique Pousão subverte o tema clássico do ciociaro, habitante da região italiana do Lácio, aqui representado como um rapazinho traquina, meio andrajoso, captado não em pose, mas no momento em que precisamente descansa da pose e que, atrevido, esboça ele próprio o retrato de alguém. A ideia do artista improvisado, génio precoce e natural, que aproveita a ausência do pintor para tomar o seu lugar e mostrar a sua obra, na expectativa de incerto acolhimento, são aspetos que funcionam quase como uma projeção da circunstância do artista sobre a do seu modelo e revelam nesta obra uma inesperada dimensão de “manifesto” artístico enviado de Roma pelo jovem pintor aos seus mestres. Pintada em Roma em 1882, foi enviada pelo artista à Academia Portuense de Belas Artes, na remessa de trabalhos do seu segundo ano de aluno pensionista no estrangeiro.

Interior (Costureiras trabalhando) ou Entre o almoço e o jantar

Interior (Costureiras trabalhando) ou Entre o almoço e o jantar

Marques de Oliveira (1853-1927)

1884

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

Esta cena de intimidade doméstica é bem definida no título original que o pintor lhe atribuiu quando expôs Entre o almoço e o jantar.
A obra revela um sentido de composição e tratamento da luz de grande qualidade plástica associado a uma rara riqueza narrativa.
Uma novidade inesperada nesta representação é o diálogo entre o interior, onde tudo se passa, numa atmosfera intimista, e a paisagem representada ao fundo, de onde emana a luz intensa que invade o interior em sentido oblíquo e se vê projetada na mancha branca da toalha posta sobre a mesa e na transparência da garrafa. Marques de Oliveira realizou esta pintura em 1884, poucos anos após o regresso do seu pensionato em França e em Itália, entre 1873 e 1879.

Um campo de trigo – Seara (Arredores de Paris)

Um campo de trigo – Seara (Arredores de Paris)

Silva Porto (1850 – 1893)

1878-79

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

Esta prova final de pensionista do Estado em Paris foi enviada pelo pintor à Academia Portuense em 1879. Representa uma paisagem rural em grande formato registada nos arredores de Paris.

A vibração da luz sobre os motivos, as pinceladas rápidas de cores intensas e a representação do espaço em perspetiva de modo não convencional (através de faixas de cor diferenciadas pela textura e empastamento da tinta) expressam a modernidade das estéticas emergentes que Silva Porto captou nos centros artísticos que frequentou e o intenso trabalho que desenvolveu em França e Itália entre 1873 e 1879. Assim se entende o sucesso que o paisagista alcançou no regresso a Portugal e o papel de referência que teve junto das novas gerações.

Junot protegendo a cidade de Lisboa

Junot protegendo a cidade de Lisboa

Domingos António de Sequeira (1768 –1837)

1808

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

No contexto das invasões francesas, Domingos Sequeira estabeleceu amizades com oficiais do exército napoleónico, como o Conde de Forbin, oficial e pintor amador. Esta aproximação valeu -lhe a encomenda de uma representação alegórica da ação protetora do general Junot sobre Lisboa. Graças a essa atividade, Sequeira foi visto como colaborador do inimigo ocupante e por isso alvo de perseguições e processos condenatórios de que só a muito custo se reabilitou.

Nesta composição estão representados três grupos de figuras nos primeiros planos, entre as quais se destaca Junot, em traje militar, voltado para uma mulher jovem que representa a cidade de Lisboa, amparada pela Religião e pelo Génio da Nação. À esquerda, os dois homens representam Marte que aniquila Neptuno, simbolizando, respetivamente, a França e a Inglaterra enquanto, no lado oposto, as duas mulheres simbolizam a abundância e a sabedoria, Ceres e Minerva.

Fuga de Margarida de Anjou

Fuga de Margarida de Anjou

Francisco Vieira, o Portuense (1765–1805)

1798

Óleo sobre tela

Ficha de inventário

Esta cena foi pintada em Londres e apresentada em 1798 na exposição da Royal Academy of Arts. O episódio escolhido pelo pintor reporta-se à História de Inglaterra de David Hume, à Guerra das Duas Rosas entre as Casas de Lencastre e York e especificamente ao momento em que um ladrão aparece a Margarida de Anjou, rainha de Inglaterra, quando esta fugia com o filho para a Escócia. Este é o momento mais emotivo de todo o enredo, reforçado aqui na sua teatralidade pela colocação da heroína à mercê da paisagem monumental, terrífica e indomada.

Retrato da Princesa Margarida de Valois

Retrato da Princesa Margarida de Valois

François Clouet (1505-1510 – 1572)

Óleo sobre madeira de carvalho

Ficha de inventário

Datada de 1561, esta pequena obra representa uma figura da corte francesa do século XVI, a princesa Marguerite de Valois (1553-1615), realizada por um dos mais prestigiados pintores franceses da época, François Clouet. Tem sido considerada uma das obras maiores do colecionador João Allen, a par de uma outra pintura com ela relacionada, o Retrato de Henrique II, do mesmo autor e datada de 1559, que se encontra igualmente no MNSR.

A princesa Margarida que teria então oito anos de idade está representada em meio corpo sobre um fundo negro, com o cabelo escuro penteado em finas tranças e decorado com pérolas. O vestido tem uma presença dominante na composição pela exuberância e riqueza do bordado.