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Categoria de Coleção: Diversos

A maioria dos museus tem no seu inventário uma secção na qual integra peças consideradas avulsas, ou pela sua singularidade ou porque não são em número suficiente para constituir uma categoria própria.

No Museu Nacional Soares dos Reis, em cuja coleção convivem os espólios do Museu Portuense e do Museu Municipal do Porto, existem duas secções paralelas com essa natureza reunindo uma tipologia muito alargada de objetos destacáveis, quer pela sua raridade ou bizarria, pelo seu caráter simbólico, ou pela sua qualidade artística. Na coleção designada Diversos foram integradas peças que hoje classificaríamos em categorias como Ourivesaria, Escultura, entre outras, mas que, no período e contexto em que foram catalogadas, configuraram uma unidade própria. Foram aí integrados por exemplo, os primeiros objetos chegados do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em 1834. Objetos carismáticos, desde sempre rodeados de uma aura quase mítica: a espada de D. Afonso Henriques (hoje em depósito no Museu Militar do Porto), uma série de placas em esmalte de Limoges representando a Paixão de Cristo ou uma escrivaninha em tartaruga e ouro. Nesta mesma secção foram integradas peças de grande qualidade que, nos primeiros tempos de existência do Museu Portuense, foram doadas por gente da cidade, como um pequeno oratório holandês em madeira de buxo do século XVI. Já da coleção do Museu Municipal, em depósito no MNSR em 1937, reúnem-se sob o nome de Diversos várias subcategorias como curiosidades, objetos históricos, objetos arqueológicos ou miudezas. Esse conjunto funciona hoje como uma cápsula do tempo na qual se conserva a essência do espírito eclético e enciclopédico do colecionismo do século XIX, materializado na coleção de João Allen. Aí se encontram as curiosidades mais extravagantes a par com as peças artisticamente mais qualificadas.

Estatueta / Ídolo

Século XVIII (final)

Argila

Ficha de inventário

Desde longa data identificada como a representação de uma deusa celtibera, esta estatueta permaneceu um enigma durante mais de 180 anos. A sua configuração e a intrigante inscrição que apresenta na frente, em caracteres não identificados (provavelmente inventados), não são coerentes com o estojo forrado a couro fino vermelho e gravado a ouro, semelhante aos estojos de joias do século XVIII.

Em 2003 o MNSR encetou o que viria a ser um longo processo de documentação e classificação desta peça, apresentando-a a diversos arqueólogos para efeito de estudo, por comparação com 3 outras estatuetas semelhantes entretanto encontradas na Biblioteca Nacional de Portugal (essas associadas a um núcleo do Gabinete de Antiguidades, criado em 1804, na Real Biblioteca Pública da Corte e Reino). Desse desafio acabou por resultar a publicação, em 2020, do estudo Ídolos Prerromanos inventados en el Portugal ilustrado del siglo XVIII de Martin Almagro-Gorbea, no qual se esclarece que a estatueta é afinal um ídolo falso, inspirado em gravuras que representavam antiguidades descobertas no século XVIII. Esta peça é um testemunho do despertar da arqueologia e do colecionismo de antiguidades em Portugal, talvez no círculo esclarecido de estudiosos e amadores reunido em Évora, na esfera de Dom Frei Manuel do Cenáculo.

Hermafrodita adormecido

Itália

Século XIX (início)

Gesso e papel cartonado

Ficha de inventário

Esta medalha em gesso é uma de um conjunto de cerca de 700 adquiridas no Grand Tour, tradição em voga sobretudo dos séculos XVII a XIX, dos jovens europeus abastados realizarem uma viagem de sentido iniciático que tinha como destino último Itália e o contacto com a cultura e a arte clássicas.

As gemas (pedras preciosas) e os Intaglios antigos, bem como cópias e reproduções dos mesmos em pasta de vidro, gesso, cera e outros materiais eram uma das mais procuradas lembranças dessas viagens por proporcionarem um vislumbre do Mundo Antigo num objeto de pequeníssimas dimensões. No século XVIII, estes objetos circulavam com tal popularidade entre colecionadores e curiosos, que passaram a ser designados por camafeus do Grand Tour.

Os temas representados alargaram-se à reprodução das esculturas clássicas de maior prestígio em Roma. O Hermafrodita é uma dessas esculturas, descoberta no início do século XVII e adquirida pelo cardeal Borghese que, em 1620, encomendou ao escultor Lorenzo Bernini a almofada sobre a qual dorme hoje a figura.

Estatueta de Marte Militar

Séculos II-III

Bronze

Ficha de inventário

Esta pequena estatueta representa o deus Marte, deus da guerra na mitologia romana correspondente ao deus Ares da mitologia grega.A figura é representada em traje militar romano com capacete coríntio e couraça anatómica sobre uma túnica. Parece replicar a figuração de Marte militar encontrada no templo do deus Mars Ultor em Roma (hoje no Museu do Vaticano).

Não é possível saber o que seguraria a figura no braço direito erguido e no esquerdo fletido (talvez uma lança e um escudo, respetivamente).Esta estatueta foi adquirida pelo MNSR com a indicação de ter sido encontrada na Herdade da Pombinha em Campo Maior.

Uma estatueta semelhante a esta encontra-se hoje no Museu de Penafiel, tendo sido encontrada aquando da construção do Santuário da Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos – Igreja do Sameiro, em 1886.

Livro de Horas

Utreque, Países Baixos

1450-1500

Ficha de inventário

Livro de Horas com 214+2 fólios em velino (pergaminho fino extraído de pele de fetos de animais), ilustrado com 11 iluminuras. Redigido em flamengo, foi produzido na região de Utreque, no século XV. Tem uma assinatura de posse que o associa à figura de Gonçalo Brandão, familiar de João Brandão, tesoureiro e contador do rei na cidade do Porto a partir de 1472.

Os livros de horas em flamengo distinguem-se pela particularidade de, na sua maioria, seguirem a tradução de Gerard Groote, erudito e pregador evangélico, figura-chave do movimento para a reforma religiosa chamado Devotio Moderna. Foram precisamente os seus escritos que introduziram a tradição de “oração metódica” que organizava exercícios dia-a-dia e semana a semana. O filósofo e humanista Erasmo de Roterdão foi criado nesta tradição, que é considerada um fator decisivo para a ocorrência da reforma protestante. A presença deste livro nas mãos de um português (para quem a língua flamenga não terá constituído obstáculo) testemunha a presença desse movimento reformador entre as elites portuguesas do século XV.

Foi adquirido em 1886 por Eduardo Allen, diretor do Museu Municipal.

Estatueta funerária de Djedhor

Egito

Época Baixa. Século VI a.C., da XVI dinastia

Faiança verde

Ficha de inventário

No antigo Egito as estatuetas funerárias foram inicialmente concebidas para proporcionar um suporte alternativo aos elementos espirituais do defunto: caso a múmia se deteriorasse estes poderiam contar ainda com as réplicas da múmia para não perderem o seu vínculo ao corpo.

A partir do Império Novo (de 1580 a 1080 a.C.), estas estatuetas começaram a ser investidas com uma nova função: a de servir o defunto nos campos paradisíacos do Além e garantir, em seu nome, o cumprimento de todas as tarefas a elas associadas. É por essa razão que a estatueta de Djedhor, filho de Renpetnefert, apresenta instrumentos agrícolas nas mãos, como o alvião, o machado e um saco.

A inscrição que foi redigida sobre o corpo da estatueta é uma versão do capítulo 6 do Livro dos Mortos, conjunto de textos que acompanhava o morto na sua viagem para o Além.

Pertenceu à coleção Allen.

Skyphos

Skyphos “à maneira do pintor de Sydney”

Magna Grécia (Pestense)

Final do século V a. C.

Cerâmica de figuras vermelhas

Ficha de inventário

Na sua viagem a Itália, empreendida entre 1826 e 1827, o colecionador João Allen fez todo o périplo de visitas e também de aquisição de obras de arte e antiguidades que configura uma viagem de Grand Tour.

João Allen chegou a Nápoles no inverno e terá então visitado as ruínas de Herculano e Pompeia, paragem obrigatória para todo o viajante ilustrado de então. Durante a viagem terá adquirido um conjunto de cerâmicas de pequenas dimensões, do tipo Gnathia, provenientes da Magna Grécia, datadas entre os séculos IV e III a.C.

O conjunto seria exibido no Museu aberto pelo colecionador no Porto, em 1837, tornando-se provavelmente no primeiro núcleo de cerâmicas gregas apresentado ao público em Portugal.

Escudo de aparato

Índia, Sul da China ou Ilhas Ryukyu (atual Japão)

Século XVI

Madeira, couro, laca negra oriental, dourada e pintada, veludo, algodão, pregos de metal. Vestígios de fio dourado nas pegas.

Ficha de inventário

Escudo de aparato em madeira revestida a couro, lacado a negro com ornamentação a dourado e vermelho. A frente apresenta ao centro um brasão de armas cuja leitura total é hoje impossível. A decoração do verso é constituída por motivos chineses: múltiplos ramos de videira com cachos suspensos, peónias, dois pássaros e dois animais que podem ser esquilos ou mangustos.

Certamente encomendado por um nobre português, este escudo representa bem a riqueza da teia de relações comerciais e culturais estabelecidas pelos portugueses na Ásia, ao longo do século XVI, pois é uma peça híbrida em que confluem técnicas e materiais de fabrico da Índia portuguesa e da China e um gosto europeu. Conhecem-se cerca de 20 destes escudos de encomenda portuguesa em coleções europeias e norte-americanas.

Escrivaninha

Atribuído a Giuseppe Sarao

Nápoles, Itália

1730 – 1735

Tartaruga, madrepérola, ouro e liga de cobre

Ficha de inventário

Escrivaninha construída em carapaça de tartaruga trabalhada a quente, com incrustações de ouro e madrepérola numa técnica designada piqué de ouro. Provém do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra de onde foi retirada em 1834, na sequência do decreto de extinção das ordens religiosas.

Esta peça tem sido referenciada desde 1868 como uma oferta do Papa Benedito XIV à Academia Litúrgica Pontifícia por ele fundada em Santa Cruz de Coimbra, em 1747.

A peça foi produzida em Nápoles e, embora não seja assinada nem datada, as características e distribuição dos elementos em madrepérola e ouro, o desenho e o trabalho de gravação sobre esses materiais, assim como a sua gramática decorativa permitem datá-la com alguma segurança entre 1730 e 1735 e atribuir a sua autoria a Giuseppe Sarao, o mais famoso e qualificado dos mestres tartarugari da corte de Carlos de Bourbon, rei de Nápoles entre 1734 e 1759.

Série de 26 Placas em esmalte com cenas da Paixão de Cristo

Anónimo. Att. “Mestre da Pequena Paixão de Santa Cruz de Coimbra”

Limoges

1575-1600

Esmalte pintado sobre cobre

Ficha de inventário

Esta série de 26 placas de esmalte pintado sobre cobre representa cenas da Paixão de Cristo, reproduzindo e recriando 24 das 36 gravuras que constituem a série denominada “Pequena Paixão”, da autoria do artista alemão Albrecht Dürer, publicada em 1511.

As placas não são assinadas nem datadas, mas integram um grupo de peças atribuídas a uma mesma oficina, em Limoges, entre 1550 e 1625. Além das 26 placas do MNSR, são hoje conhecidas cerca de 98 placas, (distribuídas por diversas coleções europeias), que se considera terem sido produzidas nessa oficina atualmente designada pelo nome de convenção “Oficina da Pequena Paixão de Santa Cruz de Coimbra”.  A série provém do Santuário do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra onde já se encontrava em 1752 e de onde foi retirada em 1834, na sequência do decreto de extinção das ordens religiosas. No Santuário do Mosteiro de Santa Cruz conserva-se ainda o elemento do altar em madeira em que as placas se inseriam.

 

Google Arts & Culture https://artsandculture.google.com/story/5gVxSSwk7rjiIw?hl=pt-BR

Tríptico oratório/relicário

Tríptico oratório/ relicário

Autor anónimo, Norte da Holanda (Delft ?)

1500-1530

Madeira de buxo

Ficha de inventário

Este oratório miniatural, em forma de templo, representa a coroação da Virgem, ladeada por Santa Bárbara e Santa Catarina de Alexandria. Foi produzido no norte da Holanda, entre 1500 e 1530, talvez nas oficinas de Adam Theodrici (em Delft).

A representação destas três figuras é comum no Gótico final e no Renascimento, invocando a vida ativa, personificada por Santa Bárbara, protetora dos cavaleiros e homens de armas, e a vida contemplativa, que aqui é representada por Santa Catarina, protetora dos estudantes, filósofos e professores.

Trata-se de um objeto que podemos considerar raro pois integra um conjunto de cerca de 150 itens (entre pequenos oratórios e contas de rosário) identificados até agora em todo o mundo. Esses objetos de devoção privada relacionam-se com a prática de períodos de meditação curtos e frequentes preconizada pela Devotio Moderna, movimento de reforma religiosa surgido nos Países Baixos e na Alemanha no final do século XIV.

Foi doado ao Museu Portuense por volta de 1836.